(Para ouvir) https://youtu.be/BDgQL2BZU7c

A música familiar preencheu seus ouvidos enquanto dirigia de volta para casa. Ao seu lado, no banco de couro do carro alugado, a pasta abarrotada de anotações, e, claro, o caderno de Endla. Um truque ardiloso e bem elaborado. Apertou os dedos cheios de anéis no volante. Havia sido tola, ingênua e descuidada. Revisitou mentalmente o momento em que havia recebido o item… Tão pouco tempo atrás, mas sua mente estava focada em outro lugar… Nele... Em sua “humanidade” diante da corrupção que os cercava e os problemas da cidade. Maldita cidade!

Recriminava-se.

Imaginava o que o “caderno” diria… “… a bruxa parece irritada. Conduzindo sua carruagem displicentemente, como se estivesse buscando um destino que não lhe é possível alcançar…”.

Procurando acalmar sua raiva, revisitou os acontecimentos até ali, tentando encaixá-los num padrão que pudesse entender. Obviamente sua coterie era uma armadilha, sua busca pelo passado havia desenterrado mais que os moldadores de carne. Tramas e ardis tão podres que era até difícil imaginar como ainda estavam encobertos.

"Estão mesmo?". A sensação das mãos invisíveis movendo as peças no tabuleiro lhe mantinha alerta. Ponderou sobre o problema mais imediato. A questão pairava sem resposta: por que aquelas pessoas?

Revisitou cada um deles, enquanto cruzava as ruas escuras, marcadas por pichações e ameaças.

Maskim Luka, o gangrel de poucas palavras e ações eloquentes. Composto de força e tradição, temperados pela besta imprudente… O gigante havia conquistado sua confiança, mesmo que ela temesse a fúria contida em seu olhar, tanto quanto confiava que ele a usaria para destruir seus inimigos, a feiticeira compreendia que estavam atados num caminho perigoso. Provavelmente sem saída…

Eric Druskar. Não tinha a melhor primeira impressão do Hecata, suas famílias nunca foram aliadas. Entretanto, o caderno havia mostrado algumas nuances de Eric que ela começava a compreender. Ele falava tão bem em corte como entre os anarquistas. Mas o que realmente a perturbava era seu cheiro de morte. Aquilo o cercava como um miasma, impregnando tudo. A morte, sua grande inimiga, era para seu companheiro de coterie apenas mais uma ferramenta. Uma que ele dominava com maestria. Se ela havia aprendido algo era isto: ele vai sobreviver. Conosco… ou apesar de nós.

Alex Black… O nome girou em sua mente, enquanto estacionava junto ao café perto de sua loja. Desceu, carregando a pasta. Sentou-se numa mesa externa e pediu um café duplo. O líquido não lhe traria nenhum prazer, assim como as dúvidas que pairavam sobre o Ravnos. Era óbvio que todos eles tinham interesses para além daquela coterie… Contudo… Por que se aproximar dela? Mexeu o café, enquanto dava uma gorjeta generosa à garçonete. Poderia realizar a tarefa de Gustav sem a influência da Tremere. Olenska pesava aquelas ações. Talvez pela conquista? Possível.

Distração… Curiosidade… Tédio… OS motivos se somaram como as folhas do caderno.

Fitou a rua. O que leu no caderno era íntimo, mas também não a deixava surpresa. Uma coisa era certa, ele se importava com seus pilares, dedicando grande parte de suas noites na companhia deles. Ainda assim, refletia sobre as ações do Ravnos, tão inexplicáveis quanto todas as outras estranhezas de Staryy Dom.

“Ele confiou os três a você. Merece o benefício da dúvida.”

Tanto quanto a bruxa havia revelado sua criança, ele lhe entregou seus protegidos. Estavam em pé de igualdade. Inspirou o ar da noite, como se aquilo ainda pudesse lhe trazer clareza. Não queria estar sob o teto da Innocence, temia ouvir a melodia de Petr. Talvez aquela fosse sua última noite. Ou talvez durasse um pouco mais… A cidade estava corroendo sua existência.

Pegou o caderno novamente. Parecia alguém lendo, inocente, um diário qualquer. Esforçou-se para absorver as linhas pomposas da descrição de seu trajeto e a jocosa observação sobre a escolha do café.

“Sentada em meio aos mortais inocentes, a bruxa observa minhas páginas como se houvesse mais do que suas próximas ações aqui descritas. A noite de outono confere ao pequeno Boulevard um ar melancólico, mas sua pele de obsidiana permanece impassível diante do clima…”

Tinha a íntima convicção que destruiria aquele objeto infernal. Custou-lhe dias e alguns olhares indesejáveis, mas o ritual que estava criando baniria aquela abominação e destruiria os segredos que estavam gravados em suas páginas. Revelaria aos demais o ardil de Endla, mas guardaria as informações sobre Alex para si mesma. No fundo, sentia que isso os deixava quites.

Enquanto folheava o caderno, releu a conversa que tivera com Susana. Sua ida aos porões do La Obscuridad. Havia coisas demais naquelas páginas que irão assombrá-la pelo tempo de sua existência. Não podia negar que havia sangue em suas mãos. A danação das jovens amantes era sua culpa. Alex e ela, usados para trazer ainda mais fúria ao inconformado Valentin. Mais um laço com o Ravnos… Parecia que, para todos os lados que olhava, lá estava ele. Como uma tipo de magneto para onde sua mente apontava sempre que se permitia devanear.

“Termine o café e peça algo mais forte.”