“A roda girou. Escuridão se faz Luz. O Fogo a tudo purifica...”

As mãos cheias de anéis tecem hábeis a pequena oferenda. Lavanda fresca, anis estrelado, funcho, cedro. Dedos treinados, uma mente focada. Palavras são ditas aos sussurros.

— ... Eu te saúdo no que virá. Oferta ao início. Presságios do fim...

Uma fita branca ornamenta a forma humanoide. A oferenda estava pronta. Olenska observou o pequeno sortilégio com satisfação distante. O mestre a teria punido apenas por brincar com os velhos ritos.

"Mas ele não está aqui… Não mais".

Um sorriso divertido cruzou seus lábios. Por alguma razão que lhe escapava, Staryy Dom havia capturado sua curiosidade. Levantou-se, estava na hora de preparar a cesta de oferendas. Flores aos jovens e queridos. Um velho costume pagão. No entanto, aquela pequena boneca, feita com esmero, continha um pedido, um desejo…

"Liberdade".

A roda do ano chegava ao seu ápice. Naquela terra cheia de velhas lendas, sangue antigo e escuridão, os mortos celebravam o ápice da luz. A ironia daquele festival encantava a mente aguçada da feiticeira. Após todos aqueles anos de culto em segredo, finalmente um dos oito grandes seria celebrado como deveria. Caminhou pela casa vazia, entre livros e sussurros da rua agitada além das paredes. Era possível sentir a energia dos ritos. Seus sentidos estavam atentos, afiados como o sangue. Excitação. Caos. Mudança.

Enquanto se dirigia até a porta da garagem, fitou-se no espelho. Franziu o cenho, estava intrigada, a festividade demandava um certo respeito, mas não era isso que via diante de si. Como se o monstro atrás de seus olhos houvesse se escondido. Um pensamento desagradável lhe ocorreu.

"Não baixe a guarda… Este não é o seu lugar..."

Novamente a sensação de familiaridade. Sua mente racional apontava o óbvio: a coterie. Havia sido criada para isso. Ser parte. Uma peça que formava o todo. A ferramenta para um fim. Atada aos seus… Não mais. Eles são diferentes. Sentiu o arrepio ao lembrar-se do olhar de Maskim. Ele podia sentir o medo. Ela não devia se esquecer. Então lá estava a imagem evasiva de Eric, sempre observando. Nada que não houvesse visto entre os seus velhos companheiros. Respeito aos seus mistérios… Uma lembrança constante de que aquele não era seu lar, mas sim o deles.

"Nem todos eles..."

A resposta irreverente.

Sua irritação, momentânea, desapareceu num sorriso cínico. Fechou a porta atrás de si. Colocou a cesta no banco do carona, enquanto ligava o carro. O som se ativou, inundando o ambiente com uma batida leve e ritmada. Manobrou o veículo, mas ainda pensativa…

"Não sou a única forasteira, afinal de contas."

O pensamento seguido de um nome arrancou a seriedade de sua mente. Olhou a hora. Era cedo demais. As ruas se misturavam em luzes festivas. Os alto falantes pulsam numa canção…

"And at least I understood then, the hunger I felt / And I didn't have to call it loneliness / We all have a hunger"

Ela sorriu. A noite estava apenas começando.